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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

JESUS É “DEUS O FILHO” (SEGUNDA PESSOA DA TRINDADE)?


 Literalmente, também não. Em primeiro lugar, porque Jesus, não sendo literalmente “Deus encarnado”, como já vimos, não pode fazer parte da Trindade Divina; em segundo lugar, porque o próprio dogma da Trindade divina é falso, pois o verdadeiro Deus é uno, mas não trino, ou seja, um Deus em três pessoas divinas iguais (Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo).
        Abordarei agora, com John Hick, o surgimento desse mito cristão fundamental, segundo o qual Jesus é “Deus o Filho” (Segunda Pessoa da Santíssima Trindade).
        No livro O Mito do Deus Encarnado, John Hick (cf. HICK, 1977, p. 174-175) explica detalhadamente como surgiu esse mito cristão, com base no encontro da imagem literária e metafórica judaica de “filho de Deus” com a imagem mitológica grega de “Deus o filho”, que deu origem ao dogma cristão da Santíssima Trindade, no qual Jesus foi dogmatizado como sendo “Deus o Filho” (a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade).
        John Hick nos dá uma excelente explicação sobre esse encontro das duas culturas (a judaica e a grega), como veremos a seguir.
       Em primeiro lugar, é preciso esclarecer (cf. ANDRADE, 1995, p. 59) que ser “filho de Deus”, na cultura hebraica, não significava literalmente “ser Deus”, mas era um título honorífico, como se infere de João: “A todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus” (João 1,12) (negrito meu).
       Já na cultura greco-romana, era muito comum a ideia mítica de alguém ser “filho de uma divindade” (no sentido literal da palavra) e de uma divindade encarnar-se em forma humana – O MITO DO DEUS ENCARNADO – daí ter sido fácil a transição da imagem judaica de “filho de Deus” para a imagem mitológica grega de “Deus o filho” (DEUS ENCARNADO NUMA PESSOA HUMANA).
       Vejamos agora como Hick (ibid.) nos esclarece como a velha linguagem metafórica judaica de “filho de Deus” (no sentido adotivo), título geralmente atribuído aos reis de Israel por ocasião de suas coroações (e também atribuído a Jesus pelos cristãos do cristianismo nascente) se transformou, devido ao encontro da cultura judaica com a cultura grega, na figura mitológica de “Deus o filho”, fazendo com que Jesus passasse, no cristianismo histórico primitivo, de “filho de Deus” para “Deus o filho” (DEUS ENCARNADO, SEGUNDA PESSOA DA TRINDADE).
       Eis como Hick descreve esse encontro das duas culturas mitológicas (a judaica e a grega), mediante o qual os cristãos fizeram com que Jesus passasse de “filho de Deus” para “Deus o filho”:
A primitiva comunidade cristã percorreu uma trajetória cultural que se iniciou com o judaísmo e desembocou na cultura helenista do mundo greco-romano. As ideias de deificação e encarnação eram muito comuns na cultura helenista e, quando se encontram com a imagem judaica de “filho de Deus”, essas novas categorias fazem acontecer uma significativa transição na imagem cristã de Jesus: de “filho de Deus” para “Deus o filho”, a segunda pessoa da Trindade (HICK, 1977, p. 175).
       Em termos mais claros ainda, o filósofo e teólogo pluralista John Hick (ibid.) explica que,
dentro do próprio judaísmo, a noção de um homem ser chamado “filho de Deus” já existia há muito tempo. O Messias devia ser um rei terreno descendente de Davi e os reis antigos da linhagem de Davi recebiam o título divino de “filho de Deus” ao serem ungidos na posse do cargo: as palavras do Salmo 2,7, “Ele me disse: Tu és meu filho, eu hoje te gerei“ foram provavelmente usadas nas cerimônias de coroação. Outro texto-chave é o 2º Livro de Samuel (2Samuel 7,14): “Eu serei para ele um pai, e ele será para mim um filho”, novamente dito a respeito do rei terreno. Portanto, a linguagem de exaltação que a Igreja inicial aplicou a Jesus já fazia parte da longa tradição judaica (ibid.) (negrito meu).
       John Hick faz, com muita propriedade, o seguinte questionamento:
Como devemos entender essa linguagem antiga da filiação divina? Literal ou metaforicamente? O rei era literalmente filho de Deus? Claro que não. Dizer que o rei era “filho de Deus” era uma forma metafórica de se expressarem as qualidades do rei. O rei está mais próximo de Deus do que qualquer outra pessoa. Por isso, ele é chamado de “filho de Deus” (Salmo 2,7). Na linguagem mitológica, diz-se que Deus o “gerou”. Mas o rei é considerado “filho de Deus” apenas por “adoção”, e não por geração física, isto é, como sendo fisicamente “filho de Deus” (ibid.).
John Hick (ibid., p. 175) explica ainda que o relato do batismo de Jesus refuta o sentido físico de sua suposta filiação divina:
O sentido físico da filiação divina de Jesus é claramente refutado no relato do batismo de Jesus, em que se ouve a fórmula antiga, vinda do céu, de adoção filial usada na coroação dos reis: “Tu és meu filho, eu hoje te gerei” (Salmo 2,7).
Hick (ibid.) esclarece também que as crenças mitológicas exclusivistas a respeito da pessoa de Jesus podem ser facilmente entendidas pelo contexto histórico-cultural da época:cultura classicista (uma só verdade, certa e imutável), mentalidade escatológico-apocalíptica (profeta final, revelação definitiva) e expressão de uma minoria (linguagem de sobrevivência, único Salvador).

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