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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

JESUS DECLAROU “SER DEUS”?


Os cristãos dogmáticos, fundamentados em interpretações literalistas de várias passagens do Evangelho de João, por exemplo, “Eu e o Pai somos um” (João 10,30), “Quem me viu, viu o Pai” (João 14,9) e “Não crês que estou no Pai, e o Pai está em mim?” (João 14,10), argumentam que Jesus realmente declarou “ser Deus”.
Refuto essa argumentação da grande maioria dos cristãos, com base nos argumentos que apresentarei a seguir.
Essas passagens joaninas, atribuídas a Jesus, não querem dizer que ele era literalmente “Deus”, como erroneamente interpretaram (e continuam interpretando) os cristãos convencionais e os adeptos de algumas filosofias e/ou religiões panteístas, mas pretendem apenas expressar a união e comunhão íntima de Jesus com Deus.
Essa união e comunhão íntima com Deus (que está dentro de nós) não significa dizer que existe uma identidade perfeita entre nós e a divindade, mas expressa apenas a união, a comunhão íntima e imanente entre nós e Deus, “no qual vivemos, nos movemos e existimos(Atos 17,28).
Procurar constantemente essa união íntima e mística com Deus é tarefa de todos nós, o que não significa dizer, como afirmam os panteístas, que “todos somos Deus”. Por isso, no mesmo Evangelho de João (João 1,12), como elucida o escritor espírita (ex-pastor evangélico) Jayme Andrade (cf. ANDRADE, 1995, p. 59), Jesus supostamente incluiu na mesma categoria de “união com o Pai” seus apóstolos, quando afirmou: “Pai Santo, guarda em teu nome aqueles que me deste, para que sejam um, assim como nós” e “para que também eles sejam um em nós (João 17,21) (negrito meu).
Por conseguinte, a crença dos cristãos tradicionais, segundo a qual as passagens joaninas há pouco citadas seriam provas de que Jesus declarou “ser Deus” (no sentido natural), perdem totalmente o seu sentido, sem mencionar o fato de que o Evangelho de João é o menos histórico de todos, cujo objetivo principal é provar que Jesus é literalmente Deus encarnado. Por isso, para atingir esse seu objetivo teológico, João não teme colocar nos lábios de Jesus frases que ele nunca disse.
       Mas, os que seguem a interpretação literal desses versículos joaninos deveriam notar que, em várias outros trechos do mesmo Evangelho de João, ele se contradiz, porquanto, como ressalta Andrade (1995, p. 59), ele mostra em várias outras passagens que Jesus não era Deus, mas um “enviado de Deus” (João 4,34; 5,24; 6,44; 7,29; 8,26; 12,45; 17,3) e que chegou a afirmar: “Porque eu desci do Céu, não para fazer a minha vontade, mas a daquele que me enviou” (João 6,38). E, como conclui Andrade (ibid.), “é claro que um enviado é sempre inferior àquele que o enviou”. Jesus também teria afirmado: “O Pai é maior do que eu” (João 14,28);   “Subirei ao meu Pai e ao vosso Pai, ao meu Deus e ao vosso Deus” (João 20, 17); e também teria dito: “Eu rogarei ao Pai” (João 14,16 e 16,26) e o que roga é obviamente inferior ao rogado.
Essas passagens bíblicas são mais do que suficientes para se concluir, à luz da “fé raciocinada”, que Jesus nunca cometeu a blasfêmia de afirmar que era literalmente Deus, mas que foram os cristãos que, de fato, o “endeusaram”.
Por mais que eu respeite essa crença sincera e honesta da maioria dos cristãos, não posso deixar de dizer, a bem da verdade, que ela é uma crença puramente mitológica, e não uma verdade histórica, absoluta e exclusiva do cristianismo dogmático, como já vêm entendendo há bastante tempo os próprios cristãos liberais e, mais recentemente, diversos teólogos cristãos pluralistas, sem falar, é lógico, nas religiões e/ou filosofias espiritualistas reencarnacionistas (como o espiritismo), que vêm há muito tempo fornecendo lúcidos esclarecimentos sobre o caráter puramente mitológico, e não histórico, do fenômeno de se “endeusar” (“divinizar” ou “deificar”) personagens marcantes da História.
A própria Bíblia judaico-cristã declara também que alguém pode ser chamado “deus” ou“filho de Deus”, não no sentido natural, mas no sentido metafórico ou honorífico, principalmente quando exerce uma função importante na sociedade. Exemplos:
Eu declarei: Vós sois deuses, todos vós sois filhos do Altíssimo. (Salmo 82, 6)
Não está escrito em vossa Lei: Eu disse: Sois deuses? (João 10,34)
A Bíblia de Jerusalém elucida, nas notas de rodapé referentes a essas duas passagens bíblicas, o sentido metafórico (e não literal) de alguém ser chamado “deus” ou “filho de Deus” na Bíblia:
Os príncipes e os juízes são comparados aos “filhos do Altíssimo”, membros da corte divina. (A Bíblia de Jerusalém, Salmo 82, 6, nota g)
Esta palavra dirige-se aos juízes, chamados “deuses” metaforicamente, por causa de seu ofício, pois “o julgamento cabe a Deus”. (A Bíblia de Jerusalém, João 10,34, nota c)
Além disso, essas passagens não dizem que todos somos “deus” (no singular), mas “deuses” (no plural), o que significa, metaforicamente, que todos somos como deuses, comoseres divinos. Por conseguinte, essas e outras passagens bíblicas semelhantes não podem servir de apoio para provar que todos somos literalmente “Deus” e “filhos de Deus”, nem que Jesus tenha declarado ser literalmente “Deus” e “Filho de Deus”.

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