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domingo, 30 de janeiro de 2011

A MÃE DE JESUS É TAMBÉM A “MÃE DE DEUS”?

  Literalmente, não. Se Jesus, como vimos na resposta da pergunta anterior, não é literalmente “Deus encarnado”, nem “Filho de Deus”, como pode a sua mãe ser literalmente a “Mãe de Deus”, segundo o dogma católico?
       Com todo o meu respeito e admiração à mãe de Jesus, defendo, a bem da verdade, à luz do bom senso, da história das religiões e da fé raciocinada, a tese de que Deus não pode ter “mãe”. Logo, Maria não é literalmente a “Mãe de Deus”, conforme o velho dogma católico, proclamado no terceiro Concílio Ecumênico, realizado no ano 431, em Éfeso (local, na época, do maior templo urbano, no Império Romano, da deusa Ártemis, ou Diana). Conta-se que, enquanto o Concílio estava reunido, discutindo a maternidade divina da mãe de Jesus, o povo de Éfeso se aglomerou ao redor do templo da deusa Ártemis, ou Diana, e começou a gritar: “A Deusa. A Deusa, certamente ela é a Deusa” (CAMPBELL, 2007, p. 190) (negrito meu).
       Sabemos, pela história das religiões, que o mito da “Mãe de Deus” era muito comum entre as religiões bem mais antigas do que o cristianismo. As religiões pagãs costumavam dar uma mãe às suas divindades, por exemplo, na Babilônia, existiu “Istar” (ou ‘Ishtar”), a mãe virgem do deus Tamuz. Segundo esclarece o escritor José Reis Chaves, “a palavra inglesa Easter (Páscoa) é derivada de Istar (mãe virgem de Tamuz imolado)” (CHAVES, 2006b, p. 103).
       Na Grécia, existiu “Deméter” (a “mãe” de Deus) e “Dioniso” (o “filho” de Deus), duas das divindades mais populares da Grécia antiga, cuja história, seus ritos e suas festas antecipam efetivamente, sob muitos aspectos, a religião cristã (cf. DONINI, 1965, p. 145).
Aliás, o termo “Dioniso” (da língua trácio-frígia, “dioniso”) significa etimologicamente “filho de deus” –“dio-niso” (cf. DONINI, ibid, nota 26). A história de Dioniso, o deus libertador, o “filho de deus”, é muito semelhante à história do “Jesus mítico” (o “Cristo da fé”), o Filho de Deus e o único libertador (salvador) da humanidade, segundo o mito exclusivista cristão.
Mas se Jesus não é Deus, como argumento que ele, de fato, não o é, cai por terra a crença mítica na maternidade divina de sua mãe, conforme já defendiam, corretamente, os chamados “hereges” nestorianos da Igreja primitiva (século V), os quais afirmavam, contrariamente ao dogma católico, que Maria não é “Mãe de Deus” (em grego, “Theotókos”), mas apenas “Mãe do homem Jesus Cristo” (em grego, “Cristotókos”).
O monge Nestório de Antioquia, num de seus sermões, afirmava:
Ninguém venha me dizer que Maria é mãe de Deus; ela foi mulher, e Deus não pode nascer de mulher; sustentar o contrário é imitar os pagãos que dão uma mãe às suas divindades (FRANGIOTTI, 1995, p. 128).
Nestório foi condenado no terceiro Concílio Ecumênico, realizado em Éfeso, no ano 431 (o qual proclamou o dogma mítico da maternidade divina de Maria), e, porque se recusou a submeter-se às definições dogmáticas desse Concílio, foi enviado para o exílio, onde morreu.
O escritor José Reis Chaves, em seu livro A Face Oculta das Religiões: uma visão racional da Bíblia, explica a questão nestoriana nos seguintes termos:
O Nestorianismo surgiu com Nestório, Bispo Patriarca de Constantinopla, no século V. Sua tese ensinava que em Jesus Cristo havia duas pessoas: uma divina e outra humana, e que essas pessoas eram separadas entre si, sendo uma delas a do Cristo, o Verbo de Deus, e a outra a do homem Jesus, no qual veio encarnada a Pessoa Divina do Verbo de Deus, o Cristo. Nestório não aceitava o título em grego de “Theotókos” (“Mãe de Deus”) dado a Maria, Mãe de Jesus. Para Nestório, Maria era apenas Mãe do homem Jesus, portanto, deveria receber o título em grego de “Cristotókos” (“Mãe do homem Jesus Cristo”). Mas o Concílio Ecumênico de Éfeso (431), apreciando a questão nestoriana, condenou-a, afirmando que em Jesus havia uma só pessoa, ou seja, a Pessoa Divina, e que Maria deveria ter o título grego de “Theotókos” (“Mãe de Deus”). E, assim, a Igreja criou a oração “Santa Maria, Mãe de Deus...” que foi acrescentada à Ave Maria bíblica da saudação do anjo Gabriel a Maria. [...] O título de “Mãe de Deus” para Maria é estranho e deixa confusos e enrolados os próprios teólogos, pois Deus nunca pode ter tido mãe e nunca poderá tê-la! (CHAVES, 2006b, p. 47-48).
Não há como não concordar plenamente com Nestório, com sua tese de que Maria não é, de fato, literalmente, Mãe de Deus (“Theotókos”), mas apenas Mãe do homem Jesus (“Cristotókos”). “Aliás, seria o cúmulo do absurdo alguém aceitar que Deus tem Mãe” (CHAVES, ibid., p. 100).
Além de nenhuma mulher poder ser “Mãe de Deus”, as mulheres (incluindo a mãe de Jesus) só podem ser mães do corpo e não do espírito (ou alma) de alguém, como bem esclarece o escritor Reis Chaves nos seguintes termos:
Alegam os teólogos dogmáticos que Maria é Mãe de Deus porque a mãe de uma pessoa é mãe do conjunto todo de alma e corpo. Isso não é verdade, pois a mãe de uma pessoa é apenas mãe da parte biológica, de cuja criação ela participou, mas jamais do espírito que, além de não ter mãe, preexiste à criação biológica do corpo. [...] O próprio Jesus destaca que o que é nascido da carne é carne e o que é nascido do espírito é espírito (João 3,6). [...] Em outros termos, o corpo é filho da sua mãe biológica, mas o espírito do corpo não tem mãe. O espírito vem de Deus, o corpo vem do pai, da mãe e, mais remotamente, da terra. O espírito só forma um conjunto com o corpo, enquanto o espírito está reencarnado no corpo. [...] E, se o espírito não é criado junto com o corpo, a mãe biológica do corpo não entra na criação do espírito, do que se conclui que ela não é mãe também do espírito. E disso tudo se infere que Maria, Mãe de Jesus, só é mãe do corpo e não do espírito de Jesus (CHAVES, 2006b, p. 100-101) (negrito meu)+.
Com base nessa convincente argumentação, mesmo para os que acreditam que Jesus seja Deus e que o seu corpo não tenha sido biologicamente gerado por Maria e seu esposo, mas por obra e graça do Espírito Santo, conforme os dogmas (ou mitos) cristãos, Maria não pode ter sido mãe do espírito (ou alma) de Jesus (ou de Deus).
Em suma, para concluir a resposta da presente pergunta, reafirmo que Maria não é literalmente mãe do “Espírito de Jesus” nem “Mãe de Deus”, mas apenas mãe do corpo físico de Jesus. Defender o contrário, é querer permanecer no erro, na mentira, sobre  Jesus e sua mãe.

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